top of page

APROPRIAÇÃO CULTURAL: COMO O USO DE UM OBJETO PODE DESVALORIZAR UMA CULTURA?

  • Ane Caroline
  • 23 de mar. de 2017
  • 6 min de leitura

"Acredito profundamente em vestir a pele do outro. Mas sei também do limite deste gesto" diz Elaine Brum, colunista do El Pais

Recentemente, na internet, o tema "apropriação cultural" tem sido um dos assuntos mais polêmicos e pautados. Várias pessoas estão sendo acusadas de roubo de cultura enquanto outras se acham no direito de usar o que quiser independente de onde foi tirado aquilo em questão. Tanto as pessoas acusadas quanto as pessoas que julgam, na maioria das vezes nem se quer sabe o que é apropriação cultural. E você, sabe do que se trata?


O conceito antropológico

A apropriação cultural é a adoção de alguns elementos específicos de uma cultura por um grupo diferente. Descrita como aculturação ou assimilação, ela pode implicar uma visão negativa em relação a uma cultura minoritária por uma dominante.

Bruno Marques, professor e antropólogo cedeu uma entrevista para a InFoco explicando seu ponto de vista.

"Este tema é alvo de muitos debates, principalmente por ser considerado uma aculturação por parte de uma cultura dominante sobre uma minoritária. Não chega a ser oficialmente um crime, mas as pessoas consideram um enorme desrespeito, geralmente quem utiliza esses objetos sofreu muito preconceito, lutou para mostrar a sua cultura e agora tudo isso é considerado um "acessório" por pessoas da classe dominante. Entenda, isso é frustrante!"

Quando vira apropriação cultural utilizar algo de uma cultura diferente?

"A apropriação cultural se torna um problema quando os significados destes elementos são desvirtuados de seus contextos históricos e culturais de origem, quando deixam de revelar a essência do grupo a quem pertence originalmente."

O que é o Intercâmbio Cultural?

"Apropriação cultural é muito confundida com o intercâmbio cultural, mas um é totalmente diferente do outro. O Intercambio é a troca de experiências culturais. As pessoas que são "leigas" no assunto confundem o tempo todo. Elas ficam sabendo de algo sobre apropriação, como foi o caso da garota com câncer e o turbante e desde então tudo o que elas apontam já julgam ser apropriação cultural."


O turbante

Você deve ter visto no seu Facebook a história da Thauane Cordeiro. Uma jovem que publicou uma foto seguida de um relato onde diz ter sido acusada por uma moça negra no metrô de São Paulo de apropriação cultural por usar um turbante na cabeça.

"Eu comecei a reparar que tinha bastantes mulheres negras (sic), lindas aliás, que estavam me olhando torto, tipo 'olha lá a branquinha se apropriando da nossa cultura'. Enfim, veio uma falar comigo e dizer que eu não deveria usar turbante porque eu era branca. Tirei o turbante e falei: 'tá vendo essa careca? Isso se chama câncer, então eu uso o que eu quero! Adeus". Ela enfatizou o texto utilizando a hastag #VaiTerBrancaDeTurbanteSim no final do post publicado.

No caso, o turbante é um ornamento de símbolo religioso em várias culturas, inclusive na afro. Ele evidenciava a ligação dos negros escravizados com seus costumes originais e representava a resistência.


De uma branca para outra

A colunista Eliane Brum escreveu uma carta para Thauane com o título “De uma branca para outra”

“Acredito profundamente em vestir a pele do outro. Mas sei também do limite deste gesto. Buscamos vestir, mas não conseguimos vestir por completo. A beleza deste movimento é justamente a busca.”


Eliane continua ainda dizendo “Quando a gente ouve um “não”, Thauane, nossa primeira reação é dizer um “sim”. Sim, eu faço. Sim, eu vou. Sim, eu posso. Especialmente numa época em que se vende a ideia de que podemos tudo. E de que poder tudo é uma espécie de direito. Mas não, não podemos tudo. E nos deparamos com essa realidade a cada dia. Compreendo também, Thauane, que você sabe disso talvez melhor do que a maioria, porque não há nada mais revelador de nossos limites do que uma doença que nos coloca diante da tragédia maior da condição humana, que é morrer.”


E finaliza o texto com “Você pode usar um turbante mesmo que uma parte significativa das mulheres negras digam que você não pode. Mas você deve? Eu devo?”


Vale lembrar que ninguém é realmente proibido de nada, mas vivemos num mundo onde há séculos uma cultura é dominante e imposta, o modelo a ser seguido é o europeu, consequentemente, o padrão estético é o ocidental e branco.


As religiões de matrizes africanas afirmam que todas as pessoas podem participar com respeito. Utilizar um turbante sem respeito pela sua origem faz com que perca todo seu significado tornando-se mais uma moda passageira utilizada pelas pessoas brancas, que na maioria das vezes quando questionadas sobre porque do uso do elemento, utilizam do argumento “eu tenho um parente negro, então não é apropriação cultural”. Uma pessoa se sentir pertencente à cultura por conta dos laços de parentesco, não tem problema, mas é muito fácil se dizer negro quando lhe é conveniente.


Apesar disso tudo, a cultura própria de um povo não é propriedade, então como falar de apropriação cultura?

A cultura é a marca de um povo, todos temos a nossa. Existem povos, que mantém a sua mesmo que ela tenha sido intensamente perseguida, por isso existe essa necessidade de explicar o contexto de um simples turbante. A revolta dos negros quanto a esse tema se deu principalmente pelo fato de só existir essa apropriação quando convém a alguma indústria. As religiões de matrizes africanas existem há séculos e ainda são vistas de forma pejorativa, até anos atrás, Umbanda era coisa de “macumbeiro” e continua sendo mas só se você é negro.

Mas, apesar do turbante usado pela Thauane ter dado voz a esse tema, ele não é o único item cultural que existe.



Já parou para pensar nos índios? Quando você fala de um índio por exemplo, a primeira imagem que surge na cabeça da maioria das pessoas é uma pessoa semi nua com o rosto pintado. A cada quinhentos universitários, apenas um é indígena, quando vestidos com roupas normais ouvem comentários do tipo: “Você é índio, mas usa roupa? “Você também usa celular?” Questionamos o porque de um índio não se vestir como um índio mas não questionamos quando nos apropriamos da cultura indígena.


A #NotHappy chegou aos mais citados do twitter no dia em que  Pharrell Williams posou para a revista Elle UK, com um cocar na cabeça.

Considerando um desrespeito a cultura indígena, os internautas alegavam nas redes sociais que o adereço não poderia ser utilizado como acessório de moda para estampar capas de revistas. Na cultura indígena, o cocar é uma vestimenta sagrada usada por chefes e guerreiros. Em resposta à imprensa, Pharrell disse “Eu respeito e honro todo tipo de raça, origem e cultura. Estou realmente arrependido.” (em tradução livre). A revista porém, não se manifestou sobre o assunto.

Essa questão também entra em descriminação além apropriação cultural, assim como os dreads, que é característico em indianos, africanos e outras culturas não-ocidentais e, quando reproduzido, as pessoas se apropriam de um item que faz parte da “beleza natural” de determinado povo, mas que também está ligado às tradições.


Tecnologia e apropriação cultural

O novo lançamento da Sony, o jogo Horizon Zero Dawn também foi alvo de críticas por apropriação cultural. No jogo em questão você controla Aloy, uma jovem que faz parte de uma tribo de humanos após a quase extinção da humanidade devido a misteriosos dinossauros robôs que destruíram tudo.

Dia Lacina, escritora de descendência dos nativos norte-americanos, recentemente criticou tanto as pessoas que avaliaram o jogo quanto o estúdio que o desenvolveu.

“Quase todos os aspectos da construção de mundo de Horizon foram elogiados, ainda que os termos usados pelos personagens do jogo tenham sido historicamente aplicados a tribos indígenas, pessoas essas que foram oprimidas durante a história pelos que usam esses termos dentro do jogo. Foi praticamente ignorado que esse mundo único e revigorante foi praticamente tirado totalmente da nossa cultura”, diz a autora no texto dela sobre o jogo.

O diretor de Horizon comentou o assunto. “O vocabulário certamente foi discutido durante o processo de criação, pois nós queríamos ter certeza de não usar termos culturalmente sensíveis para a nossa audiência. Nós não procuramos inspiração de certo grupo étnico, e sim de uma diversidade deles através da história. É por isso que muita gente refere os Nora como Vikings, ou que eles tenham certos elementos que remetam à cultura Celta. A inspiração veio de diversos locais”, comentou John Gonzales, da Guerrilla Games.


Por ser uma questão muito delicada e ter uma linha tênue entre apropriação e o intercambio cultural, precisamos agir em ambos com respeito. Lembre-se que vivemos num mundo onde pessoas que pertencem às minorias não possuem voz, se você quer ser justo, tem que escutar o que elas têm a dizer sobre o assunto. É preciso mais atenção para as questões do que para a estética imposta pelo capitalismo.


Comments


bottom of page