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A BUSCA DA PRÓPRIA IDENTIDADE

  • Thais Conolly
  • 12 de fev. de 2019
  • 6 min de leitura

Mulheres encaram a transição capilar e assumem os cachos.



Se deparar com o espelho todos os dias e não se sentir bem com o que se vê refletido, esta é a realidade de muitas pessoas que a partir daí decidem abandonar processos químicos alisantes e enfrentar a transição capilar.


Em várias partes do mundo o estilo de cabelo afro sofre com a não aceitação da sociedade, desse modo aderem a cultura do liso, por fazer parte de um modelo que se aprende a valorizar desde a infância.


Por conta da moda de alisamentos definitivos e progressivos que surgiram nos anos 2000 muitas mulheres optavam por alisarem seus cabelos. Atualmente, os cabelos Black Power e cacheados tem se destacado muito, as donas dos fios alisados passaram então a se perguntar se faziam isso pela praticidade ou para se sentirem inclusas em um padrão imposto pela sociedade.


Muitas celebridades e artistas, como a atriz, Tais Araújo, e a cantora Ludmila, também aderiram esse movimento, cada vez mais mulheres entram nessa jornada para a recuperação da autoestima e dos seus fios naturais, eliminando de vez a chapinha e o alisamento químico do cabelo.


É um processo que consiste em deixar o cabelo crescer totalmente e chegar ao natural sem usar química, depois disso recorre-se ao Big Chop, que é o corte que mulheres de cabelos cacheados e crespos fazem para tirar toda a parte alisada dos fios e enfim assumir os cachos naturais. É um processo de aceitação que não exige tempo certo, tudo depende do ritmo de crescimento do cabelo.


Reunimos algumas mulheres que redescobriram sua identidade e o poder do cacheado.


Gabriela França começou a alisar o cabelo com 12 anos de idade. “Me lembro que entrei no salão com os cabelos longos e saí com eles curtos pois tive corte químico. E se eu pudesse voltar no tempo teria talvez esperado um pouco mais ou feito em um lugar diferente com mais segurança, mas ter o cabelo liso me fez feliz”.Um dos motivos que fizeram Gabriela alisar o cabelo foi porque nenhuma de suas amigas tinham cabelo cacheado e ela queria ser igual a elas. “Hoje não sinto mais essa necessidade. Sinto que preciso de um cabelo mais prático para minha rotina, e o alisado exigia muito tempo dedicado a ele. Então decidi parar de alisar após fazer minha última progressiva em março de 2016 e percebi que meus cabelos estavam caindo muito. Deixou de ser um cabelo saudável, não tinha brilho, quebrava por qualquer coisinha”, conta Gabriela.


“E hoje, após realizar o Big Chop, sinto que cortar meu cabelo foi a melhor decisão que tomei, não estou amando ter cabelo extremamente curto, pois não me acostumei ainda, mas para a saúde dos fios foi a melhor coisa a se fazer, e agora tenho mais opções de penteados do que só preso. Cabelo cresce! E agora eu estou realmente conhecendo meu verdadeiro cabelo. Acredito que esse movimento de empoderamento feminino e feminismo está dando mais coragem para as mulheres se aceitarem, vejo uma grande mudança, principalmente na mulher negra, que hoje valoriza muito mais a sua beleza natural”, acrescenta.


Kelly Ribeiro começou a alisar o cabelo muito nova, com apenas 11 anos, passando um alisante que se chamava “Guanidina”. “Me arrependo muito, se pudesse voltar no tempo eu teria feito tudo diferente, pois meus cachos eram tão perfeitos”.

O que a impulsionou a deixar de alisar os cabelos foi o forte cheiro dos alisamentos químicos. “O formol não me fazia bem, eu passava mal, ficava com falta de ar toda vez que ia alisar meus cabelos, pois sou alérgica. Prefiro meus fios naturais, são mais práticos e acho que meu cabelo está muito mais saudável e bonito assim e acredito que devemos nos sentir bem com o que realmente somos e aceitar nossa beleza natural, não importa se preferimos liso ou cacheado, desde que se sinta bem”, acrescenta.


Jessica da Cruz alisou seu cabelo pela primeira vez quando tinha 14 anos, fazia um processo de relaxamento dos fios e aos 16 fez sua primeira progressiva com formol. “Na época as pessoas não viam cabelos crespos e cacheados como bonito, e eu queria me sentir bonita, então alisei. Mas hoje eu amo meu cabelo cacheado e apoio sem dúvida o Big Chop e os cachinhos. Se minhas filhas nascerem com o cabelo cacheado farei de tudo para elas amarem o jeito que são”.

Conta-nos que decidiu parar de alisar seus cabelos após a festa de aniversário de 15 anos de uma prima. “Ajudei na festa com os docinhos, porem aconteceu um imprevisto e não tive tempo de arrumar meus cabelos (escovar e pranchar) e tive que ir com ele preso, sem se quer um penteado ou escova. Então decidi que não alisaria mais e voltaria aos cachos, fiz o Big Chop com apenas três centímetros de raiz crescida, essa decisão foi bem difícil, na minha cabeça eu iria cortar daqui uns meses, quando tivesse próximo ao ombro, porém para fazer o Big Chop no ombro eu teria que deixar uns dois anos sem fazer química e enfrentar duas texturas de fios, então achei melhor cortar de vez, assim gastaria menos com produtos para hidratação. Hoje estou amando meus cachos, e feliz por ter assumido meu verdadeiro eu”.


Pamella nos conta que começou a alisar os fios com 9 anos de idade, fazia relaxamento para soltar os cachos. “Já nessa época eu não me aceitava, se eu pudesse teria feito tudo diferente, jamais teria mudado a estrutura do meu cabelo. Eu sofria muito bullying na escola por conta do meu cabelo, e só usava ele preso, pelo fato das pessoas não aceitarem que era diferente, pois o padrão de beleza era ter o cabelo liso e só dessa maneira era possível ser inserida em um grupo, então eu resolvi que alisaria o cabelo” – nos conta.


“Eu sou viciada no Youtube, e o que me motivou a voltar para os cabelos naturais, foi o canal da Youtuber Ana Lídia, onde ela conta sobre sua transição. Assistindo os vídeos dela percebi que eu não me aceitava, eu negava o que eu era de verdade, que tinha o cabelo crespo, o motivo da minha transição é a aceitação do que eu realmente sou, está sendo bem difícil, pois alguns amigos meus ainda não aceitaram essa decisão, mas tive muito apoio da minha família e dos amigos da faculdade. Realmente não é fácil, pois além de tudo isso, o meu cabelo está com duas texturas, meio cacheado e meio liso” – acrescenta.

“Estou em transição por mim, para descobrir o que realmente sou, não por estar na moda. E acredito que esse movimento de empoderamento feminino e feminismo tem ajudado na aceitação, encorajando as cacheadas e crespas a perceber que somos bonitas assim, e ser diferente é uma coisa boa”.


O empoderamento feminino e o feminismo


Por muito tempo o arrumado, bonito e aceitável foi o liso da capa de revista ou da mocinha da novela. Nas prateleiras não se encontravam produtos para cabelos crespos e cacheados.

Todos os dias somos bombardeados de anúncios e propagandas, que querem nos vender um padrão de beleza criado pela indústria de cosméticos, como ter um corpo atlético, pele e olhos claros e cabelos lisos e loiros. Tais influencias levam pessoas ainda que inconscientemente a mudarem suas aparências e negarem as raízes étnicas de seus antepassados.


Apesar de muitas pessoas acreditarem que essa onda de cabelos crespos e cacheados seja apenas uma tendência da moda, para muitas outras significa a busca de sua identidade. Esse movimento de aceitação está ligado a um maior orgulho negro e a mostrar o quanto o cabelo influencia na identidade pessoal e cultura de um ser humano, já que mexe diretamente com conflitos psicológicos de aceitação e identificação cultural.

imagem: thais conolly

O espaço que a mulher tem ganhado na sociedade faz com que a muitas questionem essa ditadura da beleza e procurem quebrar os padrões estéticos impostos pela sociedade. O que as fez ir contra esse movimento tão enraizado é que muitas delas são adeptas do movimento feminista, que defende o naturalismo do ser humano como uma afirmação não só pessoal, mas também política.


Um dos símbolos da resistência ao padrão de beleza imposto são os cabelos cacheados e crespos, que representam a etnia negra, com elementos presentes na maior parte da população brasileira. Até mesmo as grandes empresas de cosméticos capilares já perceberam a movimentação e procuraram lançar produtos que atendem a esse público. Criando uma linha específica para cabelos crespos, que até então não tinham destaque nas prateleiras dos supermercados.


Mais do que apenas uma mudança de estilo, o retorno do cabelo encaracolado significa uma elevação na autoestima e no orgulho das mulheres e dos homens negros, assumindo suas raízes étnicas como forma de afirmar uma identidade cultural que por muito tempo foi forçada a se esconder.

imagem:thais conolly



A influência da internet na busca da própria identidade



Para muitas mulheres a ferramenta essencial para entender o processo de transição capilar e buscarem alternativas para voltar para seus cabelos naturais se deu através de grupos especializados da internet, com pessoas que assumiram sua identidade e sua beleza real sem se basear no que as revistas ditam.


Youtubers e blogueiras com depoimentos e dicas de suas transições, influenciaram e encorajaram e ajudaram mulheres a perceber que mesmo que a sociedade, a mídia e a indústria imponham padrões de estética, se uma mulher resiste a eles e luta pelo seu direito de ser ela mesma, outras terão a mesma força e terão. também sua autoestima reconstruída.


 
 
 

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